O verão chegou e, com ele, a corrida contra o tempo para perder os quilos indesejados. Para isso, muitas pessoas acabam recorrendo a dietas restritivas, exercícios exagerados e outras práticas nocivas à saúde. Um programa de perda de peso saudável envolve o acompanhamento de profissionais de saúde e a adoção de bons hábitos – não apenas em determinada época do ano, mas de forma permanente. Para falar sobre o assunto, o Saúde Não se Pesa conversou com a Dra. Cynthia Melissa Valério, médica endocrinologista com título de especialista pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e membro da Diretoria da Associação Brasileira para Estudos da Síndrome Metabólica e da Obesidade (ABESO).

SNSP - Quais os riscos das dietas restritivas com foco em perder peso muito rápido? Essas dietas funcionam?

DRA. CYNTHIA VALÉRIO - existem diversos riscos. O estilo de vida saudável e novos hábitos alimentares levam algum tempo para serem estabelecidos. A perda rápida de peso pode dar a falsa ideia de que o problema foi “resolvido”. Uma vez que a pessoa alcança o peso-alvo e suspende tudo o que foi feito, rapidamente ocorre a flutuação e o reganho de peso, o “efeito sanfona”.

Perder peso rápido não é igual a emagrecer ou perder gordura. Nessas dietas, em geral, isso ocorre devido à perda de líquido e muitas vezes, ao uso de diuréticos e laxativos. Dessa forma, elas essencialmente desidratam ou levam à perda de massa magra, e não necessariamente à perda de gordura.

Além disso, quando existe uma restrição alimentar severa, em geral, não existe uma dieta equilibrada do ponto de vista nutricional. Isso pode levar a um quadro de carência nutricional - de vitaminas, oligoelementos (sais minerais), eletrólitos, inclusive, se houver algum quadro de desidratação associado - e isso pode trazer consequências importantes para a saúde em longo prazo.

SNSP - É possível tonificar músculos para deixá-los mais evidentes, reduzir medidas da cintura e outras medidas em pouco tempo, apenas com musculação ou outro tipo de programa de exercícios?

DRA. CYNTHIA VALÉRIO - definitivamente, não. Especialmente no caso de um indivíduo com excesso de peso ou obesidade, a resposta exclusiva com musculação ou programa de exercícios, mesmo que bem elaborados, é pouco provável.

É essencial que, associado ao programa de exercícios, haja o planejamento de hábitos alimentares saudáveis, que provoquem déficit calórico e sejam sustentáveis. Do contrário, é muito difícil conseguir esse resultado, especialmente no curto prazo.

SNSP - É importante fazer uma avaliação médica antes de começar uma rotina de exercícios, especialmente de exercícios intensos? Por quê? Há alguma recomendação especial para pessoas com sobrepeso ou obesidade?

DRA. CYNTHIA VALÉRIO - é muito importante. Os pacientes, especialmente aqueles que têm sobrepeso ou obesidade, podem ter um histórico pessoal de diabetes, dislipidemia, hipertensão, doenças cardiovasculares e aterosclerose (presença de placas de colesterol nas artérias), que devem ser avaliadas na consulta médica. Essas são doenças silenciosas que aumentam a chance de um evento cardiovascular, como infarto, durante a prática de exercícios.

O médico também avaliará outros fatores importantes no planejamento individualizado de exercícios, como idade mais avançada, tabagismo e a presença de histórico familiar de doença cardiovascular.

Em geral, sobretudo no caso de pacientes sedentários, é importante começar a prática de exercícios de forma leve e progredir a intensidade gradualmente, sempre com orientação de um educador físico e de um profissional de saúde - tanto para a segurança cardiovascular quanto para a prevenção de lesões musculares ou articulares.

SNSP - Tanto para perder peso quanto para “ganhar” músculos rapidamente, não são raros os exemplos de pessoas que, ao invés de buscar um profissional de saúde, pedem indicações de conhecidos. Quais os riscos de usar medicamentos sem orientação profissional?

DRA. CYNTHIA VALÉRIO – isso é muito perigoso. Além de aumentar o risco de não obter o resultado esperado do medicamento, expõe a pessoa a riscos desnecessários. Cada medicamento tem suas indicações, bem como suas contraindicações e seus potenciais efeitos colaterais, que são muito variáveis.

Portanto, a orientação em relação ao uso de qualquer medicação deve ser sempre individualizada. A indicação deve ser feita pelo médico, a partir de uma avaliação clínica feita durante a consulta, que inclui exame físico e histórico pessoal e familiar.

SNSP – Quando se fala em perda de peso gradual, saudável e sustentável, qual o máximo de perda de peso que se pode atingir por semana ou mês? Existe um parâmetro?

DRA. CYNTHIA VALÉRIO – não há um parâmetro ideal definido, até porque estes números dependeriam do peso inicial da pessoa e de diversos outros fatores como idade, sexo, composição corporal, grau de sedentarismo, comorbidades.

Na literatura médica, entretanto, alguns estudos fizeram essa comparação das abordagens de diferentes velocidades na perda de peso. Eles demonstraram que perdas mais rápidas (por exemplo: 3 kg a 4 kg por semana) tenderam a resultar em maior perda de massa livre de gordura (a chamada massa magra) do que de massa gorda. Já nas perdas graduais (exemplo: 0,5 kg por semana), a redução de gasto calórico basal era menor e, portanto, a perda de peso ocorria proporcionalmente, mais às custas de gordura.

Notou-se que, após o período de duas a quatro semanas de estabilização no peso mais baixo (fase de manutenção), as diferenças de composição corporal foram atenuadas e não afetaram as taxas de reganho no período de acompanhamento (entre seis e 24 meses). O mais importante aqui é reforçar que o que determina o sucesso é o tratamento sem interrupção na fase de manutenção de peso, e não a velocidade de perda em si.

SNSP – Geralmente, os projetos de emagrecimento para o verão são focados em parâmetros estéticos. Qual o risco desses projetos? Qual seria a melhor orientação para uma perda de peso saudável?

DRA. CYNTHIA VALÉRIO – o risco em utilizar unicamente parâmetros estéticos é que não avaliam os parâmetros de saúde. O paciente que não foca em uma perda de peso saudável e não avalia a composição corporal, terá maior riscouhuuu de perder massa muscular em vez de gordura. Além disso, ele tende a suspender os hábitos tão logo veja o resultado na balança ou nas medidas, não estabelecendo um estilo de vida saudável, que permita sustentar esse resultado em longo prazo. Portanto, é importante contar com orientação multidisciplinar - médica e nutricional, individualizada.

SNSP - Qual seria a orientação para pessoas com obesidade iniciarem um programa de perda de peso? 

DRA. CYNTHIA VALÉRIO – primeiro, é preciso fazer uma avaliação com um médico com experiência no tratamento da obesidade, endocrinologista ou clínico geral. O profissional avaliará o histórico familiar e indicará os exames necessários para o rastreio de eventuais comorbidades associadas ao excesso de peso.

O segundo passo é uma avaliação com nutricionista. Esse profissional poderá orientar a pessoa em relação ao melhor tipo de plano alimentar, baseado nas preferências individuais e que possa trazer o melhor resultado em longo prazo.

Também é recomendado, sempre que possível, buscar orientação em relação ao programa de exercícios físicos, seja com um educador físico ou outro profissional da área que possa orientar essa pessoa de forma adequada e individualizada.

SNSP - Os cuidados em relação à alimentação e atividade física são para toda a vida?

DRA. CYNTHIA VALÉRIO - sim, são para toda a vida e devem ser seguidos por todas as pessoas, independentemente da presença de excesso de peso. Mas, para indivíduos com obesidade, esses cuidados são ainda mais importantes. Como é uma doença crônica, o tratamento também deve ser crônico. Não existe cura, mas sim, controle. Um estilo de vida saudável, com alimentação adequada e a prática de atividade física, são determinantes para a saúde e a qualidade de vida em longo prazo.

SNSP - As medicações para o tratamento da obesidade são sempre indicadas?

DRA. CYNTHIA VALÉRIO - as medicações são indicadas em alguns casos específicos, a depender da avaliação médica. O profissional levará em conta o IMC (índice de massa corporal, que é o peso dividido pelo quadrado da altura) e a presença de comorbidades para definir o grau de severidade da doença e, a partir disso, prescrever o tratamento mais adequado.

Em geral, têm indicação de uso de medicação pacientes com diagnóstico de sobrepeso associado à comorbidades e pacientes com quadro de obesidade.

SNSP - Qual a importância de contar com acompanhamento de um profissional de saúde para perder peso?

DRA. CYNTHIA VALÉRIO – no caso da obesidade, este acompanhamento é essencial e deve ser multidisciplinar, com médico, nutricionista, psicólogo e educador físico. Sem ajuda profissional, é mais provável que o paciente suspenda o método de perda de peso assim que esse objetivo for atingido e, com isso, ocorra a recidiva da doença. Uma vez que o organismo tem mecanismos de adaptação para recuperar o peso perdido, a fase de manutenção é crucial para o sucesso do tratamento em longo prazo – e, muitas vezes, ela depende da indicação de um plano individualizado.

SNSP - Quanto mais rápido o peso é perdido, mais rápido ele é recuperado? Existe uma relação entre a perda e a recuperação rápida de peso?

DRA. CYNTHIA VALÉRIO - errado. Este é um mito muito antigo. O que determina se ocorre uma recidiva do peso é o que será feito durante o período de acompanhamento. Como dito anteriormente, em perdas mais rápidas de peso há mais chances de ocorrer a perda de massa magra (livre de gordura). Mas, se houver um acompanhamento adequado durante a fase de manutenção (platô de peso), essas diferenças tendem a se atenuar com o tempo. Portanto, não é isso que vai fazer com que o paciente recupere peso rápido, mas sim o abandono do tratamento.

SNSP - Quanto tempo uma pessoa precisa permanecer com um peso estável para considerar que realmente emagreceu?

DRA. CYNTHIA VALÉRIO - não existe esse número mágico, é outro mito. Os mecanismos fisiológicos de adaptação fazem com que o corpo sempre busque o peso máximo já alcançado. O mais importante é alcançar e manter um peso saudável, o que demanda tratamento para toda a vida.

Existe um posicionamento recente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (ABESO) que defende o conceito de obesidade controlada ou reduzida. Com perdas moderadas de peso, de 3% a 5% do peso corporal inicial, já há melhora de comorbidades como diabetes tipo 2, colesterol e hipertensão. Ou seja, há o controle da doença sem propriamente alcançar um peso ideal. Temos que abandonar a ideia de peso ideal e pensar em um peso saudável.

SNSP - Por que a recuperação de peso costuma ser muito mais rápida do que a perda? O que deve ser feito para que o peso não seja recuperado?

DRA. CYNTHIA VALÉRIO - o mecanismo fisiológico de adaptação, ou seja, de defesa do organismo, é contra a perda de peso e a favor do reganho, de voltar ao máximo peso alcançado na vida. Ocorre o gap metabólico: aumento de fome e redução da saciedade (cerca de 100 calorias para cada quilo perdido) e redução do gasto de calorias justamente buscando, de forma fisiológica, a recuperação do peso perdido.  Se nada for feito para o tratamento de manutenção, é esperado que isso aconteça. O tratamento de manutenção é tão ou mais importante que a fase ativa de perda de peso e deve ser feito por toda vida.