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Obesidade aumenta o risco de doenças cardiovasculares

As doenças cardiovasculares são a causa número um de morte no Brasil e no mundo.

Publicado em: 24 de fevereiro

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As doenças cardiovasculares são a causa número um de morte no Brasil e no mundo. E a obesidade é um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento dessas condições que afetam o coração e os vasos sanguíneos, como infarto e derrame.  Para falar sobre o assunto, o Saúde Não Se Pesa convidou o Dr. Andre Feldman, médico cardiologista do Instituto Dante Pazzanese e coordenador de cardiologia dos Hospitais da Rede D'or São Luiz em São Paulo. 

SNSP - A obesidade aumenta os riscos de desenvolver doenças relacionadas ao coração? Caso positivo, quais e o que cada uma delas é?

DR. ANDRE FELDMAN - sim, a obesidade aumenta o risco de desenvolver doenças relacionadas ao coração e ao sistema cardiovascular. As principais delas são infarto, derrame e insuficiência cardíaca, que são doenças com alto risco de morte. 

  • Infarto é uma condição ocasionada por um entupimento de um vaso que leva sangue para o coração. Com a falta de irrigação de sangue, as células do coração morrem. Então, o infarto é a morte de uma parte do coração por conta da obstrução por uma placa de gordura.
  • Derrame cerebral (ou AVC, sigla para acidente vascular cerebral) é resultado de uma obstrução do fluxo de sangue no cérebro.
  • Insuficiência cardíaca é uma situação na qual o coração vai ficando cada vez mais fraco, perdendo a capacidade de bombear o sangue para suprir as células do organismo. Com isso, começam a surgir sintomas como cansaço, falta de ar e inchaço nas pernas.

SNSP - A obesidade pode alterar a estrutura, o tamanho e o funcionamento do coração?

DR. ANDRE FELDMAN – em caso de infarto, causado por um entupimento de uma artéria do coração, o órgão vai crescer, dilatar. Porque as células que sobraram tentam fazer a função das que morreram e, com isso, ficam sobrecarregadas. É por conta dessa sobrecarga que o coração cresce de tamanho e passa a bombear menos sangue.

Outra situação associada à obesidade que causa alterações no coração é a hipertensão. Ao contrair, o coração bombeia sangue para os vasos do organismo. Se esses vasos estão com pressão alta, ele terá que fazer uma força de contração maior para vencê-la. Isso sobrecarrega o órgão que, com o tempo, fica hipertrofiado (cresce de tamanho) e perde a capacidade de relaxar.

O coração é um músculo, suas células são musculares, e essa força extra para bombear é como uma musculação. Quando uma pessoa vai à academia e levanta peso, o braço fica cada vez mais hipertrofiado. Se ela é muito musculosa, consegue contrair o braço muito bem, mas não consegue esticá-lo direito, relaxar o músculo. É isso que ocorre com o coração em caso de pressão alta.

Para funcionar adequadamente, o coração precisa relaxar bem, para receber o sangue, e contrair bem, para ejetar esse sangue para os vasos. Se o coração não consegue relaxar, ele não recebe muito sangue e, consequentemente, também passa a ter dificuldade de bombeá-lo.

SNSP - A concentração de gordura em alguma parte específica do corpo é mais crítica para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares?

DR. ANDRE FELDMAN - a concentração da gordura na região abdominal é mais perigosa, porque está muito relacionada à concentração de gordura visceral – aquela que a gente não vê, localizada ao lado dos órgãos, dentro do organismo. 

  • Os pacientes de maior risco são aqueles que têm a barriga mais proeminente, mas as pernas são finas. Já a pessoa que tem coxa maior, perna maior, mesmo que tenha uma barriga um pouco mais proeminente, conseguiu acumular gordura em perna, o que não traz muito risco cardiovascular.

 

SNSP - Existem exames que podem rastrear ou até ajudar a prevenir doenças cardiovasculares que possam ser feitos regularmente?

DR. ANDRE FELDMAN – os exames que utilizamos no dia a dia para rastrear e prevenir doenças cardiovasculares em pessoas com obesidade são, basicamente, os seguintes: 

Dosagem de colesterol – ela é importante nesses pacientes, pois existe uma relação direta entre obesidade e elevação de colesterol. A dosagem de colesterol permite avaliar a necessidade de fazer algum tipo de intervenção, como medicação.

Exames para identificar obstruções em vasos do coração - a obesidade está atrelada ao acúmulo de gordura na parede dos vasos do coração. Esse processo, chamado aterosclerose, é o que faz com que o paciente possa evoluir para o infarto. Existem três exames que podem ser utilizados para identificar a presença de um entupimento parcial em uma artéria do coração: 

    ✓ Teste ergométrico - também chamado de exame de esteira, no qual o paciente deve andar em uma esteira;

    ✓ Tomografia de coronária - exame de imagem que avalia os vasos do coração e possíveis placas de gordura neles;

    ✓ Cintilografia - uma substância (radioisótopo) é injetada em uma veia que vai ao coração e o paciente entra em um aparelho de tomografia. Se os vasos estiverem funcionando bem, todo o coração fica marcado com essa substância, ele aparece homogêneo na tomografia. Mas, se um vaso tiver uma obstrução, chega menos desse fármaco e aquela região aparece mais apagada no exame.

Ultrassom das carótidas – identifica a presença de eventuais placas de gordura nas carótidas, duas artérias que irrigam o cérebro, localizadas uma em cada lado do pescoço. Esta é uma forma de detectar e prevenir o risco de derrame, que é maior em pessoas com obesidade.

Ultrassom de abdome - possibilita identificar a presença de gordura ao redor do fígado, um fator de risco para doenças cardiovasculares. Então, esse é um marcador utilizado para rastrear e prevenir doença cardiovascular.

Exame de bioimpedância - utilizado para avaliar a porcentagem de massa magra (peso do corpo livre de gordura) e de massa gorda, ou seja, a taxa de gordura corporal do indivíduo. Quanto maior a taxa de gordura corporal e menor a de massa magra, maior o risco de doença cardiovascular.

SNSP - Pessoas com obesidade precisam ter cuidados de prevenção diferenciados em relação às doenças cardiovasculares?

DR. ANDRE FELDMAN – todos os cuidados recomendados para a população em geral em termos de hábitos de vida saudável, como alimentação e atividade física, são ainda mais importantes para pessoas com obesidade, pois elas têm maior risco de doença cardiovascular.

Os cuidados de prevenção em pessoas com obesidade também envolvem monitorar e controlar regularmente as doenças que aumentam o risco cardiovascular - como pressão alta, colesterol alto e diabetes -, pois elas têm grande relação com a obesidade e, somadas, aumentam ainda mais o risco do paciente.

  • O foco desse público deve ser combater o excesso de peso, que é o que está por trás dessas outras doenças que aumentam o risco cardiovascular.
    Se não tratarmos a causa do problema, ficaremos só correndo atrás das consequências.

 

SNSP - Uma pessoa com obesidade ou sobrepeso, mas que se alimenta de forma saudável, pratica exercícios físicos e possui níveis normais de colesterol pode ter uma boa saúde cardiovascular?

DR. ANDRE FELDMAN – esse conceito, que é o que chamam de “pessoa com obesidade metabolicamente saudável”, não existe. O paciente que está com obesidade ou sobrepeso, mas faz atividade física, o colesterol está bom e a pressão está normal, às vezes, fala assim: a gordura não está afetando em nada, parece que está tudo bem. Mas não está bem, porque a obesidade é um “mau investimento” para que essas alterações aconteçam no futuro.

Às vezes, esse indivíduo tem 25 ou 30 anos, é jovem, por isso o colesterol ainda não subiu. Mas, com o tempo, o diabetes vai vir, o colesterol vai subir, a pressão vai tender a subir, de uma forma muito mais precoce do que na população geral.

A pessoa ter obesidade hoje, mesmo que não tenha mais nada e faça atividade física, não significa que o risco dela não seja mais elevado do que quem não tem obesidade, pelo contrário. Então, essa boa saúde cardiovascular não é verdade, porque a tendência é essa condição mudar precocemente.

SNSP - Ao perder peso durante o tratamento para obesidade, de que forma se diminui o risco de doenças/eventos cardiovasculares?

DR. ANDRE FELDMAN – alguns estudos já comprovaram o quanto cada porcentagem de perda de peso traz de benefício para o paciente:

Perda de 5% do peso - a pessoa já melhora muito o controle da pressão e da glicose no sangue. Então, quem tem diabetes e quem tem pressão alta consegue melhorar esses fatores com essa redução de peso.

Perda de 5% a 10% do peso - a pessoa também já começa a melhorar os níveis de colesterol e diminui muito o risco de ela desenvolver diabetes.

    ✓ Além disso, essa taxa de perda de peso melhora ou diminui o risco de doenças relacionadas à obesidade em mulheres, como ovário policístico.

Perda de 10% a 15% do peso - além de todos os benefícios citados, como controle do colesterol, da pressão arterial e da glicose, a partir de 10% de redução de peso o paciente também diminui muito o risco de ter doença cardiovascular, incluindo infarto, derrame e insuficiência cardíaca.

    ✓ Também agrega melhora de quadros de artrose, principalmente dor articular no joelho e na coluna, que são muito comuns em pacientes com obesidade, pois ela sobrecarrega essas articulações.

    ✓ Além disso, também há uma melhora do refluxo, outra condição muito atrelada à obesidade. Na doença de refluxo, o conteúdo do estômago (suco gástrico), que é ácido, sobe para o esôfago, causando dor, incômodo ou até lesões na parede do esôfago.

Perda acima de 15% do peso – diminui-se o risco de morte do paciente. Sabemos que pacientes com obesidade tem uma sobrevida menor, uma morte mais precoce em relação a quem não tem obesidade. É possível aumentar essa sobrevida com reduções maiores do que 15%.

SNSP - No caso de crianças com obesidade, como prevenir o desenvolvimento de doenças cardiovasculares ao longo do crescimento?

DR. ANDRE FELDMAN – hoje, a obesidade é definida como uma doença crônica. É bem documentado que crianças com obesidade têm um grande risco de perpetuar a condição na vida adulta. Mas não é só isso. Uma criança que tem obesidade aos 10 anos de idade, por exemplo, comparada a um adulto que desenvolve a condição aos 30 ou 40 anos, tem pelo menos 20 anos a mais de exposição a esse excesso de peso e todas as consequências que ele traz.

Essa criança terá uma sobrecarga do coração e de todo o sistema cardiovascular desde cedo e, quando chegar aos 30 anos, ela já pode ter diabetes, por exemplo. Ao passo que se o paciente desenvolve obesidade aos 30, o diabetes só vai aparecer aos 50 ou 55 anos.

Portanto, é muito importante tratar a obesidade em crianças. Quanto mais precocemente tratarmos o paciente, menor é o tempo de exposição a essa condição e menor é o risco de ele desenvolver problemas como pressão alta, diabetes e colesterol alto de forma precoce. Existem medicações para o tratamento da obesidade aprovadas para crianças, então já temos recursos para esse público também.

SNSP - As doenças cardiovasculares decorrentes da obesidade têm cura ou, uma vez adquiridas, precisarão ser tratadas por toda a vida?

DR. ANDRE FELDMAN – para responder essa pergunta, precisamos lembrar que a obesidade é uma doença crônica. Atualmente não falamos em cura, mas em controle da condição, pois, muitas vezes,[PC1] [PC2]  a pessoa perde e reganha peso seguidamente. Então, é algo que ela precisa controlar para o resto da vida.

As condições decorrentes da obesidade que aumentam o risco cardiovascular – pressão alta, diabetes e colesterol alto –, se ainda estiverem em suas fases iniciaispodem ser revertidas com a perda de peso. Por exemplo, se o paciente está em uma fase de pré-diabetes e perde peso, ele consegue regredir a condição e ficar sem medicação. Da mesma forma, a pessoa que tem uma obesidade importante e uma alteração leve no colesterol, ao perder peso, baixa os valores do colesterol e pode parar de usar remédio para o problema.

Mas, se essas condições progridem, chega um momento em que, mesmo com a perda de peso, não é mais possível revertê-las.

Com tratamento adequado, a obesidade pode ser controlada

A obesidade tem diversas causas. Por isso, o tratamento dela consiste em uma combinação de opções e acompanhamento de profissionais de saúde.
As estratégias de enfrentamento devem ser individualizadas e pensadas em longo prazo. Uma conversa com um médico pode ser o primeiro passo para começar a buscar mais saúde e qualidade de vida.

BR22OB00168 - Dez./2022

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